quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Afastem-se

Afastem-se todos
Não queremos que eles vejam
Numa névoa de poeira
Escondi meus pensamentos
Não queremos que eles saibam

A porta cinza está fechada
Deve-se enxergar através do trinco
A frieza continua sendo a solução
Não queremos que eles saibam

(MAY)

domingo, 11 de outubro de 2009

Páginas em Branco

Escrito em páginas em branco
Um livro que ninguém consegue ler.
E o que sobra é o silêncio...
Que se faz quando alguém pergunta e não se sabe responder

O que fazer com isso tudo?
O que pensar sobre ninguém?
Para onde vamos?
É preciso saber

E assim sempre foram as vidas...
perdidas em si mesmas.
Conhecemos todo o mundo,
mas nunca tivemos coragem de visitar a nós mesmos.

Tantas coisas.
Entre elas, sempre perdidos.
Somos o vulto dos nossos próprios inimigos
Somos os vultos daquilo que fomos um dia...
Até o dia em que descobrimos que estamos engaiolados em nossos próprios medos
Em nossos próprios sentidos.

Páginas em branco.
Um livro nunca lido.
Aqui não adianta conhecer tudo,
ou saber muito.

Onde nada se pode ver,
onde esconderam as letras,
onde tudo é igual a nada,
só resta fechar os olhos para tentar ver.

Aqui só resta quem nunca tivemos coragem de visitar.
Aqui só resta a chance que deixamos para trás.
Só sonhos e pesadelos.
Páginas em branco, o que não escrevemos
Por medo ou por simples descaso


Raphael Rodrigues

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Miguel

Miguel não gostava de estar ali

Seus olhos quase secos

Vomitavam a falta de luz

Vomitavam a luz vazia


As risadas fingidas

Já estavam sendo descobertas

Pelas ervilhas que se julgam pessoas

Em sua existência infantil


O sol clareava sua mão

Numa proteção reconfortante para um pessimista

Cansaço... cansado...

Cansado para lidar com sua cabeça

Que sabia demais


Miguel gostaria de ser cremado

Para que suas cinzas se misturassem com seu último cigarro

Miguel não gostava de estar ali

Cansaço... cansado...

Miguel não estava mais ali

(MAY)

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Perdão às Baratas

Levado por um egoísmo físico
hoje eu matei uma barata.
Não que eu não desse valor à vida,
mas quando se trata de egoísmo
às vezes essa não têm mesmo nenhum valor.

E eu não a matei de mãos limpas,
armei-me de modo que não precisasse toca-la,
e a matei pelo pavor de imaginar que ela pudesse
andar pelo meu corpo enquanto eu estivesse dormindo.
Logo depois me aborreci por meu pavor a baratas fazer parte
da minha natureza de ter medo de insetos.

Sei que deve haver grande maldade nisso
pois isso é algo que eu também vejo,
mas minha auto defesa é acionada por um instinto
com capacidade bem maior,
e quando a crueldade termina eu reconheço
que isso passa a me fazer mal.

Espero que elas façam bom proveito do meu corpo,
no dia em que a minha alma estiver bem longe,
pois o meu pavor a baratas permaneçerá em meu corpo,
enquanto minha alma não se preocupará aonde.
Espero realmente que elas façam bom proveito
ao habitar minha carcaça decomposta,
pois eu sei que não haverá maldade nisso,
e isso a natureza delas mostra.

W.S.C.

domingo, 20 de setembro de 2009

"Trajes teus"

Me vesti com trajes teus
Porque assim te tenho sobre mim
Saio à rua e ninguém vê
Que faço amor em meio às gentes
Que cheiro teu cheiro grudado em minha pele
Que meu riso não é de piada
Mas de gozo

Me vesti com trajes teus
Prá na distância te ter comigo
E por telepatia tocar onde quiseres
Enquanto pego o metrô
Ou subo as escadas
Ou desço as escadas
Ou corro a escada toda

Me vesti com trajes teus
E passo o dia
Num dia tântrico
Daquele jeito que ninguém pode saber
Porque enquanto não engravidar é virgem
Daquele jeito que passa longe de obrigação
De mulher moderna e liberada

Me vesti com trajes teus
Porque é bom
É sujo
É lindo
É como eu quero
Hoje e quando mais nos apetecer
Enquanto rio e gozo
Atentando pudores impunemente


Isabel Bernardes

Pai

Ele pode mas não sabe lidar com isso
ele bate mas não é capaz de ferir-se com isso
ele grita mas não é capaz de ouvir-se com isso
ele cospe mas não é capaz de enojar-se com isso
ele fere mas não é capaz de desculpar-se por isso
ele julga mas não é capaz de questionar-se por isso
mas se um dia na vida ele me jura de morte
então eu não sou capaz de duvidar disso.

W.S.C.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Vento

No meio da rua fria,
de alma vazia
no auge da noite quente,
cheia de gente
o instante não me mostrou claramente
pra onde devia ir
e o que eu devia fazer

então o coração me disse
que eu devia apenas
me entregar completamente
ao meu desejo de viver
ainda que parecesse criança
que desconexa de tudo
finge saber o que fazer

assim eu me lembrei das coisas
o que ainda tenho por viver
e decidi seguir o vento
deixei de me emudecer
e só assim tive as surpresas
que a vida pode trazer

e o vento me trouxe momentos
tão difíceis de entender!
e a estar entre pessoas
de maneiras tão diversas
de tentar aparecer
e a esperar que alguma delas
pudesse realmente ter
o que há muito tempo quero
a parte que não posso ser
alguém com quem criasse um elo
e uma energia favorável
que me ajudasse a crescer
e de repente encontrá-la
e não saber o que dizer
tentando simplesmente amá-la
e ser o que tiver que ser.

deixo o vento me levar
mesmo que eu não vá saber
pra onde o vento vai soprar
e o que ele pode me trazer
sei que quando ele soprar
me revelará supresas
e me levará a sentir coisas
que não se podem descrever.


sopra vento, sopra!
vento de brisa passageira, confortante
vento que sopra tempestade
que as vezes torna-se uma eternidade,
angustiante.


W.S.C.

Manoel de Barros - Mundo Pequeno - livro “O Livro das Ignorãças” – ed. Civilização Brasileira

I

O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os
besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos.

II
Conheço de palma os dementes de rio.
Fui amigo do Bugre Felisdônio, de Ignácio Rayzama
e de Rogaciano.
Todos catavam pregos na beira do rio para enfiar
no horizonte.
Um dia encontrei Felisdônio comendo papel nas ruas
de Corumbá.
Me disse que as coisas que não existem são mais
bonitas.

IV
Caçador, nos barrancos, de rãs entardecidas,
Sombra-Boa entardece. Caminha sobre estratos
de um mar extinto. Caminha sobre as conchas
dos caracóis da terra. Certa vez encontrou uma
voz sem boca. Era uma voz pequena e azul. Não
tinha boca mesmo. “Sonora voz de uma concha”,
ele disse. Sombra-Boa ainda ouve nestes lugares
conversamentos de gaivotas. E passam navios
caranguejeiros por ele, carregados de lodo.
Sombra-Boa tem hora que entra em pura
decomposição lírica: “Aromas de tomilhos dementam
cigarras.” Conversava em Guató, em Português, e em
Pássaro.
Me disse em Iíngua-pássaro: “Anhumas premunem
mulheres grávidas, 3 dias antes do inturgescer”.
Sombra-Boa ainda fala de suas descobertas:
“Borboletas de franjas amarelas são fascinadas
por dejectos.” Foi sempre um ente abençoado a
garças. Nascera engrandecido de nadezas.

VI
Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas…
E se riu.
Você não é de bugre? – ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
gramática.

VI
Toda vez que encontro uma parede
ela me entrega às suas lesmas.
Não sei se isso é uma repetição de mim ou das lesmas.
Não sei se isso é uma repetição das paredes ou de mim.
Estarei incluído nas lesmas ou nas paredes?
Parece que lesma só é uma divulgação de mim.
Penso que dentro de minha casca
não tem um bicho:
Tem um silêncio feroz.
Estico a timidez da minha lesma até gozar na pedra.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

SEU JOGO

Ah mulher! Se é assim que quer
vou jogar o seu jogo
de encontros e desencontros
de olhares e indiferenças
de sorrisos e sobrecenhos
de levezas e pesares.
Se é assim que quer, mulher
não mais declarar-te-ei o meu amor,
se prefere buscar pistas, enigmas e mistérios
farei rodeios e fingirei enganos
mostrarei dúvida sobre a certeza.
Pintarei o meu amor vivo e forte
com cores baças e traços hesitantes.
No palco, do pierrot farei arlequim,
pra te confundir e perguntar a si mesma:
“Como essa alegria se sofrias por mim?”
Não mais cantarei aos quatro ventos o meu amor,
sussurrarei palavras ambíguas e perdidas.
Não mais olharei perdido um ponto qualquer,
(denunciando minha condição...)
me fixarei no rápido e fugidio dia-a-dia.
Se é assim que quer.
(Mas perceba que mesmo assim,
continuarei fazendo o que você quer...)

AMOR

Deitados sobre uma rosa aberta
Iluminados pelo vagalumear da lua
Dois corpos se limitam
A serem vibrações e gritos
Alvoroço que se metamorfoseará
Na mais pura seda.
Agora, repousará o mundo
nos idílicos braços do silêncio.

A SOMBRA DE UM SER.

Memórias avulsas
numa mente perdida em volúpias.
Sustos, medos, torturas...
e um olhar cansado –
de quem morre de tédio.
Sentidos aguçados
para nada sentir,
para com nada deliciar-se.
Aqui só resta o vazio
sem gosto, sem rosto
sem cheiro e sem voz.
O que nos sobra?
O que nos falta?
O que nos resta,
neste mundo de promessas?
Ninguém sabe responder,
nem mesmo sabe questionar.
Aqui jaz a alma,
e sustenta-se o silêncio
de um mudo que se calou
antes mesmo de aprender a falar.
Sozinho o ser
opaco e abatido,
a boca fechada, a mente vazia.
Só o coração ainda bate,
não se sabe o porquê.

ESTIVE EM MIM ESTA TARDE

Eu que faço chover
em todas as tardes.
Eu que ato os nós
- em mim mesmo –
todas as tardes.
Eu que escorro
- em sangue –
todas as tardes.
Eu que me escrevo
- parcialmente todo –
em todas as tardes.
Eu que posso tudo isso:
Nada sei do que faço
Enquanto durmo.
Eu que posso
nada disso tudo
em todas as tardes:
Mato-me quanto é noite.
Recrio-me pela manhã.
Eu que me reconheço
- só lá pelas dez –
Eu que assim permaneço
Escrevo:
Eu que assim sou.
Estou.
tessitura tênue
dor
telúrica
tece a tela
lúdica

QUEM TEM MEDO DA POESIA?

Julgo que a poesia, como toda arte, é uma busca; ler um poema é criar junto, é ser autor também. Criando, o artista rompe com a automação imposta pelo cotidiano, buscando reformular a linguagem para reformular o homem. Assim, criar é dar vida, é construir o novo, sempre, sucessivamente, eternamente...

Por isso, talvez, Fernando Pessoa tenha dito que “viver não é preciso”. Viver é coisa de humana criatura. Aprender a criar é aprender a ser eterno. Como os deuses...

Você conhecerá agora alguns desses “aprendizes”. Mas, para que apresentá-los? Cada poema é seu cartão de visita. Seu RG. Seu CPF. Seu código secreto.

Como Drummond, caro leitor, eu lhe pergunto: “Trouxeste a chave?”

Não, não adianta revirar os bolsos, o cérebro, nem mesmo o coração, numa procura inútil. Para abrir um poema não existe chave-mestra. Mas não se afaste. A poesia acolhe aquele que se atreve.

E se quiser se atrever mais, procure-nos. In-vazão poética é um projeto da UNESP de Bauru, que congrega os amantes da poesia (escritores ou não) visando, sobretudo, divulgá-la entre os mais diversos públicos.

Aguardamos você.

“um brinde à poesia

que a vida nos revela

à revelia!”

Profa. Dra. Maria do Carmo Almeida Corrêa (coordenadora do Projeto)

Departamento de Ciências Humanas – FAAC - UNESP - Bauru